17/12/2025
Depoimentos de empresários revelam efeitos reais das tarifas dos EUA sobre produção, emprego e investimentos no Brasil, enquanto setor reforça argumentação técnica para reequilibrar o acesso ao seu principal parceiro comercial
A agenda liderada pela ABIMÓVEL (Associação Brasileira das Indústrias do Mobiliário) em Brasília (DF), na última semana, marcou um novo estágio na articulação institucional do setor moveleiro diante das tarifas impostas pelos Estados Unidos desde agosto de 2025.
Mais do que reiterar pleitos, as audiências com o vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, com a secretária de Comércio Exterior, Tatiana Prazeres, e com o embaixador Philip Gough, do Ministério das Relações Exteriores, tiveram como eixo central a apresentação de dados atualizados, impactos empresariais mensuráveis e fundamentos técnicos para sustentar a negociação de revisão das sobretaxas.
O contexto é de ajuste forçado. Desde a entrada em vigor da nova medida — que elevou a tributação sobre o mobiliário brasileiro para até 50% — as exportações do setor passaram por uma reconfiguração acelerada. Dados recentes indicam que, embora o acumulado do ano ainda apresente crescimento moderado, houve desaceleração clara após agosto, com retração de volumes destinados aos Estados Unidos e busca de redirecionamento para outros mercados, em um ambiente de concorrência mais intensa e margens comprimidas.

“O que levamos às autoridades foi um pedido objetivo e tecnicamente embasado, para que possamos obter a exclusão de móveis das sobretaxas, como ocorre com outros setores. Não se trata de pleitear vantagens artificiais, mas de corrigir uma distorção que retirou de muitas empresas qualquer condição de competição em seu principal destino.”
Munhoz também destacou a assimetria do impacto: enquanto o Brasil representa menos de 1% das importações totais de móveis dos EUA (o que não compromete ou ameaça a indústria americana), para muitas empresas brasileiras o país concentra a maior parte de suas exportações, com casos que variam de 30% até 100%.
‘Hoje estamos com zero pedidos para os Estados Unidos’
Entre os depoimentos apresentados, o de Daniel Lutz, CEO da Móveis Serraltense e membro do Conselho Administrativo da ABIMÓVEL, sintetizou o choque imediato provocado pelo tarifaço. Segundo ele, as audiências em Brasília foram de fato “reuniões de trabalho”, com tempo e escuta efetiva por parte das autoridades, permitindo dimensionar os efeitos reais da medida.

“Após o tarifaço, ainda tínhamos alguns pedidos para serem entregues. Mas, depois disso, diante das solicitações de descontos para compensar as tarifas, optamos por não mais seguir com as entregas para os EUA. Hoje estamos com zero pedidos para o mercado americano”, afirmou.
Segundo Lutz, antes da medida, os EUA respondiam por cerca de 60% da demanda externa da empresa. A interrupção obrigou a companhia a buscar outros destinos, mas a recomposição tem sido parcial.
“Atualmente operamos com 70% das vendas ativas, faltando ainda recuperar 30%. Tem sido bastante difícil. Então esperamos que uma solução apareça de forma ágil para podermos reativar esse mercado altamente consumidor e importante para a Serraltense e outras muitas empresas aqui da região [Santa Catarina], que chegaram a ter toda a operação externa comprometida.”
Exportações interrompidas e concorrência ampliada
A barreira abrupta de acesso ao mercado americano também foi relatada por Anor Evaldo Katzer, diretor da Móveis Katzer. Segundo ele, a empresa exportava 27% de sua produção para os Estados Unidos e tinha planos de ampliar essa participação em 2025.

“Após a implementação das tarifas, esse mercado praticamente deixou de existir para nós”, afirmou.
Katzer chamou atenção para um efeito colateral relevante: o redirecionamento das exportações para outros mercados acabou elevando a concorrência internacional.
“O mercado internacional ficou mais restrito e isso aumentou muito a concorrência em outros destinos onde já atuamos ou tentamos desbravar, o que acabou prejudicando nossos negócios [para além dos contratos americanos].”
Ainda assim, o empresário relatou expectativa cautelosa em relação às negociações.
“Saímos otimistas das reuniões, mas com os pés no chão, acreditando na redução das tarifas para patamares aceitáveis, semelhantes aos praticados com países asiáticos.”
A concorrência dentro do mercado americano é global, não só interna. Países como Vietnã e China são as principais origens dos móveis importados pelos EUA, atualmente sendo beneficiados com tarifas mais atraentes do que as impostas sobre o mobiliário brasileiro.
Impacto regional e microeconomia no centro do debate
A dimensão econômica também foi um dos pontos mais enfatizados nas audiências. Leonir Antônio Tesser, diretor da Temasa – empresa que exporta 100% da produção, com até 50% tendo como destino os EUA antes do tarifaço –, destacou que os impactos extrapolam os balanços das empresas e atingem diretamente regiões altamente dependentes da indústria moveleira e de base florestal.

“Falamos do que está acontecendo na microeconomia de cidades como Caçador e São Pedro do Sul, por exemplo, que dependem fortemente desse segmento. São regiões que exportam volumes consideráveis e investiram muito para alcançar competitividade global. Isso tem se repetido em muitos outros polos, especialmente no Sul e no Sudeste”, explicou.
Segundo Tesser, a preocupação central é a perda de espaço comercial nos catálogos internacionais.
“Se o cliente tira o teu produto da prateleira, vem outro e coloca no seu lugar. Então esse espaço dificilmente é recuperado. Para evitar isso, estamos negociando com clientes e absorvendo custos, mas isso tem impacto direto no resultado e no caixa, e obviamente há um limite de tempo que a empresa pode suportar tal dinâmica: perder dinheiro apostando que no curto ou médio prazo se encontrará uma solução. Isso, além da questão social, buscando evitar demissões.”
A empresa, que mantinha cerca de 700 colaboradores, já registra redução de 12% no quadro de pessoal ocupado, com muitos desligamentos voluntários (acordos), e queda significativa no volume de negócios com os EUA.
Escuta qualificada e preocupação com o curto prazo
Para Arnaldo Huebl, diretor da Móveis Weihermann, a agenda em Brasília representou um momento relevante de diálogo entre o setor produtivo e o poder público.

“Gostaria de agradecer ao presidente da ABIMÓVEL, Irineu Munhoz, e a diretora-executiva Cândida Cervieri, por terem promovido esse encontro de empresários junto ao Governo Federal, algo ainda pouco comum na condução de política comercial. Senti que estavam bem informados e comprometidos a colocar o nosso setor na primeira página das reivindicações junto ao governo americano.”
O empresário destacou que os últimos quatro meses têm sido particularmente preocupantes para as empresas do setor, inclusive para a Weihermann.
“Temos observado redução de produção, adiamento de embarques, queda na compra de insumos e um aumento grande da insegurança. Isso gera muita apreensão, porque o efeito não é imediato apenas no faturamento, mas em toda a organização do negócio”, explicou.
Impactos no varejo americano
No segmento de alto valor agregado, Cláudio Frank, CEO da Sollos. jaderalmeida, empresa com showrooms próprios em Nova York e em Washington, relatou que os efeitos do tarifaço podem ser sentidos no varejo americano:

“No caso da Sollos. jaderalmeida, realizamos um planejamento financeiro com investimentos elevados no mercado americano nos últimos três anos. Investimos fortemente no varejo local, incluindo contratos de longo prazo [10 anos cada] e aquisição de uma nova área para a construção de mais um espaço em NY, que deve ser inaugurado em 2027.”
Além desses investimentos, a marca conta com muitos orçamentos em andamento que são diretamente afetados pelas mudanças nos valores praticados nos Estados Unidos. Frank reforça que não é possível absorver continuamente aumentos dessa magnitude, pois nenhuma empresa trabalha com margens capazes de suportar uma elevação de até 50%. Mas segue acreditando que há espaço para o móvel brasileiro no mercado americano e global, com o Brasil se consolidando como fornecedor de design assinado, materiais diferenciados e gestão sustentável.
“Para isso, porém, a previsibilidade nas negociações entre mercados é fundamental. E, claro, além da nossa empresa, vimos casos de indústrias que tiveram 100% da produção afetada, com impacto direto sobre polos inteiros, no emprego, na renda e na atividade econômica. Ou seja, não estivemos em Brasília apenas pelo nosso negócio, mas representando todo o setor”, afirmou.
Pluralidade do setor e efeito em cadeia
Para Esther Schattan, diretora da Ornare e vice-presidente da ABIMÓVEL, as audiências permitiram demonstrar às autoridades a diversidade da indústria moveleira brasileira e os efeitos sistêmicos de barreiras comerciais tão severas.

“Trata-se de uma indústria formada por empresas de diferentes portes e segmentos, distribuídas de norte a sul do país, que atendem demandas específicas tanto no mercado interno quanto no internacional. Por isso, essas empresas precisam ser representadas e ter seus casos compartilhados, para que se compreenda a dimensão de barreiras como o tarifaço americano.”
A empresária explica que a medida limita parte das atividades da pauta exportadora do setor e coloca em risco não apenas os fabricantes de móveis, mas toda uma estrutura:
“Quando se vende menos, se compra menos, se produz menos, se contrata menos. Isso afeta toda a cadeia — do fornecedor à logística — e, no fim, a economia como um todo no Brasil e nos Estados Unidos. Afinal, sem emprego não há dinheiro circulando; sem dinheiro não há consumo; o trabalhador come, viaja, se veste… influenciando vários setores”, enfatiza.
O caso da Ornare é específico, pois a marca atua no mercado de alto padrão, com demandas que dependem menos de preço e mais de valor agregado, sendo menos sensível às altas tarifas.
“Ainda assim, entendemos nosso papel como precursores no mercado americano, onde atuamos há mais de 20 anos, levando a marca Brasil e abrindo caminhos para outras empresas do setor. Hoje, contamos com 13 showrooms nos Estados Unidos, mas também estamos em outros mercados. Por isso é importante reforçar que o mobiliário brasileiro tem capacidade e repertório para estar e se destacar em muitos países. A brasilidade está em alta e a indústria brasileira já provou que é uma fornecedora completa da matéria-prima ao projeto acabado”, ressalta Esther.
Base técnica para a negociação
Além dos relatos empresariais, a agenda teve como pilar o reforço da argumentação técnica. Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior e fundador da BMJ Consultores Associados, que atua na defesa do setor junto ao governo brasileiro e americano, destacou que as reuniões foram decisivas para esclarecer ao Governo Federal as especificidades regulatórias enfrentadas pelo setor, um dos que mais emprega no Brasil.

“Foi fundamental diferenciar as medidas da Seção 301 e da Seção 232, e mostrar que o setor moveleiro enfrenta investigações e tarifas que não se aplicam a outros segmentos”, explicou.
Barral ressaltou ainda que o mobiliário de madeira não foi beneficiado pelas reduções tarifárias concedidas recentemente ao setor agrícola, o que reforça a necessidade de tratamento específico nas negociações.
“Do ponto de vista técnico, isso é essencial. Mas acredito que o mais importante tenha sido os depoimentos das empresas, mostrando o efeito direto sobre produção, faturamento, emprego e impacto social nas regiões.”
Exportações ajustam rotas e novos riscos surgem
Enquanto o setor busca o reequilíbrio da relação com os EUA, um novo alerta surge no horizonte: a iminência de medidas mais restritivas por parte do México, atualmente o sétimo maior destino das exportações brasileiras de móveis. A possibilidade de elevação tarifária para até 35% sobre o mobiliário brasileiro (e de outros oito países) amplia o risco de concentração de impactos negativos e reduz a capacidade de compensação de perdas, além de elevar as restrições no mercado norte-americano (composto por EUA, México e Canadá).
Nesse cenário, a diversificação de destinos avança especialmente na América do Sul, Europa e Ásia, pressionando mercados alternativos e intensificando a concorrência global.
Expectativas após Brasília
Na avaliação da ABIMÓVEL, a agenda cumprida em Brasília fortaleceu a base técnica, política e econômica para a continuidade das negociações com os Estados Unidos. O setor saiu das audiências com o compromisso de que suas demandas serão analisadas de forma estruturada, amparadas por dados, evidências e pela dimensão social dos impactos.
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